Votos da fé
Contra a legalização do aborto, o casamento gay e a descriminalização da maconha, líderes de diferentes religiões se engajam na campanha.
Claudio Dantas Sequeira e Hugo Marques
Num país laico como o Brasil, misturar política e religião nunca deu certo. Nesta eleição, porém, candidatos e líderes religiosos resolveram contrariar a sabedoria popular, arriscando princípios e valores pessoais em acordos de sacristia para arregimentar o maior número possível de fiéis. O rebanho de eleitores potenciais é atraente: há mais de 30 milhões de evangélicos e quase 100 milhões de católicos. Em troca do apoio político, as igrejas cobram dos candidatos posição sobre temas fundamentais, como a legalização do aborto, a descriminalização da maconha e o casamento gay. O sectarismo é inevitável, como ocorreu quando o bispo católico de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, pediu aos fiéis que não votem em Dilma Rousseff porque ela defende o aborto. A declaração constrangeu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas dias depois, num encontro com lideranças evangélicas, Dilma relativizou sua opinião: “Sou a favor da vida.”
A indefinição sobre temas tão delicados não é exclusividade da candidata do PT. Tanto José Serra (PSDB) como Marina Silva (PV) também não se posicionam claramente sobre as questões mais polêmicas. E assim muitas igrejas igualmente preferem ficar em cima do muro. É o caso da Convenção-Geral das Assembléias de Deus (CGAD), que reúne dez milhões de fiéis e sempre apoiou Serra. Agora, no entanto, considera votar maciçamente em Marina – que era católica, mas se converteu em 1997. Tudo dependerá de como a candidata vai se comportar. “O Serra é muito bem aceito, mas existe um movimento forte para que os fiéis votem em membros da própria igreja. O único senão está no fato de Marina pertencer a um partido que é contra o que nós defendemos”, afirma o pastor Lelis Washington Marinhos, relator do conselho político da CGAD. Na opinião de Lelis, o PV estaria “usando a Marina para crescer, mas seus dirigentes não estariam dispostos a ceder nesses princípios”. Pelo sim, pelo não, num comício em Bauru (SP), na quinta-feira 29, a senadora do PV rezou conforme a cartilha da CGAD. Disse que é contra o casamento gay e defendeu um plebiscito sobre o aborto. “Temos que fazer o debate de forma aberta, evitando satanizações”, disse Marina.
Apesar de toda a cautela, a candidata verde tem perdido espaço para Dilma nas articulações com os evangélicos, como atesta o deputado federal Manoel Ferreira (PR-RJ). Pastor e presidente da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CNAD), corrente minoritária que reúne oito milhões de seguidores, Ferreira fechou acordo com o PT. “Estamos satisfeitos com o atual governo e queremos sua continuação”, diz. Para evitar suscetibilidades, seja com candidatos, seja com fiéis, o deputado acha que o Executivo não deve se intrometer em temas tabus. “Dilma nos deu sua palavra de que todas essas questões polêmicas devem nascer no Congresso”, pondera.
Outro fiel na balança eleitoral será a Igreja Universal do Reino de Deus, que congrega 13 milhões de membros. Seu fundador, o bispo Edir Macedo, apoiou Lula em 2002 e 2006. Agora, fará o mesmo com Dilma. Essa ligação entre igreja e partido foi costurada pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que se diz contra o aborto. “Sou casado há 35 anos e minha mulher nunca tomou pílula anticoncepcional”, diz ele.
Os bispos da Igreja Católica mais comprometidos com as causas sociais não fecharam posição em torno de um candidato. As opções são individuais. Por isso, as declarações do bispo de Guarulhos foram consideradas pela CNBB um excesso, como diz o ex-bispo de São Félix do Araguaia (MT) dom Pedro Casaldáliga. “Se fôssemos aconselhar a não votar em candidatos que defendem a injustiça, seria uma lista longa”, afirma. Mas dom Luiz Gonzaga, de Guarulhos, não é o único a ter opinião formada sobre a sucessão de Lula. O presidente da Comissão Pastoral da Terra e bispo emérito de Goiás, dom Tomás Balduíno, dará seu voto ao candidato nanico Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que é a favor da descriminalização da maconha. “Voto nele porque o Lula abandonou a defesa do homem e optou pelo crescimento econômico”, explica.
Oficialmente, a CNBB prefere não se manifestar contra ou a favor de quaisquer candidatos, como explica o assessor de imprensa padre Geraldo Martins. No entanto, a cúpula católica tem apostado forte num programa nacional de formação política entre os fiéis, respondendo à demanda de setores da própria Igreja Católica por mais espaço na política. Em algumas regionais, o trabalho lembra a ação da antiga Liga Eleitoral Católica, na década de 1930. Na Regional Sul 1 da CNBB, comandada pelo arcebispo de São Paulo dom Odílio Scherer, os bispos emitiram até uma lista com “dez mandamentos” sobre como “votar bem”. “Veja se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até a morte natural”, sugere dom Nelson Westrupp, que assina a lista da CNBB. Ele também ataca indiretamente aqueles que apoiam a união gay. “Ajude a promover com seu voto a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural”, defende. Apesar de divididas entre os principais candidatos, as igrejas fixam posições conservadoras.
Fonte: ISTOÉ
Claudio Dantas Sequeira e Hugo Marques
Num país laico como o Brasil, misturar política e religião nunca deu certo. Nesta eleição, porém, candidatos e líderes religiosos resolveram contrariar a sabedoria popular, arriscando princípios e valores pessoais em acordos de sacristia para arregimentar o maior número possível de fiéis. O rebanho de eleitores potenciais é atraente: há mais de 30 milhões de evangélicos e quase 100 milhões de católicos. Em troca do apoio político, as igrejas cobram dos candidatos posição sobre temas fundamentais, como a legalização do aborto, a descriminalização da maconha e o casamento gay. O sectarismo é inevitável, como ocorreu quando o bispo católico de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, pediu aos fiéis que não votem em Dilma Rousseff porque ela defende o aborto. A declaração constrangeu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas dias depois, num encontro com lideranças evangélicas, Dilma relativizou sua opinião: “Sou a favor da vida.”
A indefinição sobre temas tão delicados não é exclusividade da candidata do PT. Tanto José Serra (PSDB) como Marina Silva (PV) também não se posicionam claramente sobre as questões mais polêmicas. E assim muitas igrejas igualmente preferem ficar em cima do muro. É o caso da Convenção-Geral das Assembléias de Deus (CGAD), que reúne dez milhões de fiéis e sempre apoiou Serra. Agora, no entanto, considera votar maciçamente em Marina – que era católica, mas se converteu em 1997. Tudo dependerá de como a candidata vai se comportar. “O Serra é muito bem aceito, mas existe um movimento forte para que os fiéis votem em membros da própria igreja. O único senão está no fato de Marina pertencer a um partido que é contra o que nós defendemos”, afirma o pastor Lelis Washington Marinhos, relator do conselho político da CGAD. Na opinião de Lelis, o PV estaria “usando a Marina para crescer, mas seus dirigentes não estariam dispostos a ceder nesses princípios”. Pelo sim, pelo não, num comício em Bauru (SP), na quinta-feira 29, a senadora do PV rezou conforme a cartilha da CGAD. Disse que é contra o casamento gay e defendeu um plebiscito sobre o aborto. “Temos que fazer o debate de forma aberta, evitando satanizações”, disse Marina.
Apesar de toda a cautela, a candidata verde tem perdido espaço para Dilma nas articulações com os evangélicos, como atesta o deputado federal Manoel Ferreira (PR-RJ). Pastor e presidente da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CNAD), corrente minoritária que reúne oito milhões de seguidores, Ferreira fechou acordo com o PT. “Estamos satisfeitos com o atual governo e queremos sua continuação”, diz. Para evitar suscetibilidades, seja com candidatos, seja com fiéis, o deputado acha que o Executivo não deve se intrometer em temas tabus. “Dilma nos deu sua palavra de que todas essas questões polêmicas devem nascer no Congresso”, pondera.
Outro fiel na balança eleitoral será a Igreja Universal do Reino de Deus, que congrega 13 milhões de membros. Seu fundador, o bispo Edir Macedo, apoiou Lula em 2002 e 2006. Agora, fará o mesmo com Dilma. Essa ligação entre igreja e partido foi costurada pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que se diz contra o aborto. “Sou casado há 35 anos e minha mulher nunca tomou pílula anticoncepcional”, diz ele.
Os bispos da Igreja Católica mais comprometidos com as causas sociais não fecharam posição em torno de um candidato. As opções são individuais. Por isso, as declarações do bispo de Guarulhos foram consideradas pela CNBB um excesso, como diz o ex-bispo de São Félix do Araguaia (MT) dom Pedro Casaldáliga. “Se fôssemos aconselhar a não votar em candidatos que defendem a injustiça, seria uma lista longa”, afirma. Mas dom Luiz Gonzaga, de Guarulhos, não é o único a ter opinião formada sobre a sucessão de Lula. O presidente da Comissão Pastoral da Terra e bispo emérito de Goiás, dom Tomás Balduíno, dará seu voto ao candidato nanico Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que é a favor da descriminalização da maconha. “Voto nele porque o Lula abandonou a defesa do homem e optou pelo crescimento econômico”, explica.
Oficialmente, a CNBB prefere não se manifestar contra ou a favor de quaisquer candidatos, como explica o assessor de imprensa padre Geraldo Martins. No entanto, a cúpula católica tem apostado forte num programa nacional de formação política entre os fiéis, respondendo à demanda de setores da própria Igreja Católica por mais espaço na política. Em algumas regionais, o trabalho lembra a ação da antiga Liga Eleitoral Católica, na década de 1930. Na Regional Sul 1 da CNBB, comandada pelo arcebispo de São Paulo dom Odílio Scherer, os bispos emitiram até uma lista com “dez mandamentos” sobre como “votar bem”. “Veja se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até a morte natural”, sugere dom Nelson Westrupp, que assina a lista da CNBB. Ele também ataca indiretamente aqueles que apoiam a união gay. “Ajude a promover com seu voto a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural”, defende. Apesar de divididas entre os principais candidatos, as igrejas fixam posições conservadoras.
Fonte: ISTOÉ
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