A Fome de Deus
“Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Algumas pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram: Por que os discípulos de João e os dos fariseus jejuam, mas os teus não? Jesus respondeu: Como podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não podem, enquanto o têm consigo. Mas virão dias quando o noivo lhes será tirado; e nesse tempo jejuarão.” Marcos 2,18-20
Uma festa de casamento é sempre um tempo de celebração, comemoramos com a família e nos alegramos com os noivos. Diferente dos dias de hoje onde o casamento pode ser somente uma rápida cerimônia, uma recepção simples, dependendo das condições e vontade dos noivos. As festas de casamento no antigo oriente poderiam durar dias de muita alegria e confraternização. Jejuar durante uma festa de casamento seria completamente inapropriado, uma atitude destoante para uma ocasião tão festiva.
O jejum é uma expressão de busca e inquietação. Não é um momento de orgulho para seus participantes como o casamento, mas ao contrário, é um sinal da mais sincera humilhação.
Na história de Israel o jejum podia expressar períodos de tristeza ou arrependimento. Havia até um jejum anual recordando a destruição do templo de Jerusalém. Também aconteciam outros jejuns coletivos em tempos de grande calamidade como falta de chuvas, epidemias e guerras.
Os jejuns poderiam expressar também a busca de sabedoria e orientação divina, como em muitos exemplos do Novo testamento.
Creio que o jejum seja uma importante lição sobre dedicação e prioridade. Sendo o alimento a nossa necessidade mais básica, praticamente uma necessidade instintiva, a abstinência devocional e voluntária nos ajuda a entender que temos uma necessidade maior. O jejum é a minha confissão de que preciso mais de Deus do que de alimento. Reafirmo que meu relacionamento com Deus é minha prioridade absoluta e a minha necessidade mais profunda.
A metáfora usada por Jesus fala do momento singular em que viviam seus discípulos. Não se pode jejuar durante uma festa de casamento, e não havia razão para os discípulos jejuarem, se Deus, em toda a sua glória, estava tão próximo deles. A única coisa a fazer naquele momento era desfrutar e celebrar aquela presença.
O jejum para o judeu também fazia parte de sua expectativa de redenção e espera pelo messias. E para os discípulos de Jesus jejuar naquela situação seria como manter uma lâmpada acesa depois que o sol já havia nascido. Mas Jesus os alertava que quando não estivesse mais no meio deles, eles viveriam tempos em que precisariam jejuar.
“Mas virão dias quando o noivo lhes será tirado; e nesse tempo jejuarão.”
Para Jesus a espiritualidade do jejum expressava a fome e a sede de Deus. É o desejo profundo de uma comunhão maior com aquele que nos amou e nos chamou. É ressentir-se desta ausência tão presente.
Espiritualidade é também sentir continuamente que precisamos de mais sabedoria, é desejar ardentemente o discernimento, é ansiar por ouvir mais uma vez, a voz do mestre.
Quando leio as histórias de Cristãos que tinham vida de oração e se dedicavam profundamente a meditação, percebo que todos tinham algo em comum; a fome de Deus. Alguns deles se mostravam extremamente incomodados com seu próprio pecado, como Agostinho e Lutero. Eles demonstravam em sua espiritualidade, a percepção da ausência de Cristo em suas vidas, e ansiavam por esta presença.
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus.”
Espiritualidade é desejar o pão do céu tão concretamente e profundamente quando desejamos o pão da terra. Deixemos que a fome do corpo nos relembre de nossa fome da alma; até o dia da grande festa de casamento, quando seremos supridos pela eterna presença.
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