Deve-se erguer parede entre Estado e religião

O passado refletido no presente

por Claudio Lembo, do Terra Magazine

Desenvolve-se a campanha, em busca do segundo turno, com um componente de há muito ausente das pugnas eleitorais. Antes de 1964, a religião dominante sempre avocava o direito de indicar caminhos para o eleitorado.

Com a implantação do regime militar está prática deixou ser utilizada. Nenhum documento era emitido pela hierarquia apontando os caminhos a serem traçados para o voto de cada fiel.

Isto não quer dizer que não havia direcionamento político por parte do clero. A sua maioria optara pelo combate ao regime militar e isto conduzia a uma pregação continua nos púlpitos.

Os temas da moral individual ficaram marginalizados. Ou submersos. Procurou a hierarquia, naquela oportunidade, a análise da ética social e o afastamento dos obstáculos impostos pelo autoritarismo.

Nesta campanha, contudo, temas correspondentes à moral individual passaram a ser abordado pelas diversas correntes do pensamento religioso, como de há muito não se observava na vida política nacional.

Claro que não se pode impedir às religiões o oferecimento de suas posturas em matérias de moral. Todas elas, além do escopo da salvação, contam com o objetivo de conferir uma escala de valores à sociedade.

O risco se coloca no excesso de questionamentos neste difícil campo da esfera individual da cidadania. Isto pode levar ao rompimento do preceito clássico edificado pelos juristas em outras épocas.

Trata-se do absoluto isolamento de atuação entre o Estado e as religiões. Ou no dizer dos jurisconsultos norte-americanos: deve ser erguer uma parede entre os assuntos do Estado e das religiões.

Quando este princípio é violado, há perigo à vista. Os temas atinentes ao cenário civil passam a ser dominados por ortodoxias e estas podem conduzir a sectarismos indesejáveis.

Durante séculos, os assuntos religiosos e a ação dos governantes caminharam concomitantemente. Desde a Idade Média, ergueram-se por toda a parte, particularmente na Europa, os tribunais do Santo Ofício da Inquisição.

Buscavam estas instituições a preservação da pureza das crenças religiosas e, de maneira muito particular, combater todas as formas de heterodoxia em matéria sexual.

Os autos inquisitoriais estão recheados de insinuações de práticas privadas condenadas pelos inquisidores. São conhecidos os manuais utilizados para captar dos índios suas maneiras de se relacionarem sexualmente.

Os questionamentos feriam a cultura dos autóctones e os conduzia a perplexidade. Não só a perseguição a outras religiões era intensa e tenaz. Os chamados cristãos novos sofreram em suas carnes os horrores da Inquisição.

A perseguição colocava-se em todos os cenários. As fortunas eram recolhidas aos cofres inquisitoriais e figuras, bem colocadas na sociedade colonial, eram julgadas e condenadas em tribunais religiosos portugueses.

Tudo começou quando o recém descoberto Brasil conheceu a cultura européia. A Inquisição portuguesa é implantada em 1531 pela bula Cum ad nihil magis. A primeira cidade brasileira se instalou em 1532.

Inquisição e Brasil nasceram concomitantemente. Aquela agiu duramente durante séculos e só foi afastada do cenário publicou em 1821. Uma longa jornada de obscurantismo e violações.

A alma nacional ficou marcada profundamente pelas práticas inquisitoriais e, por vezes, quando menos parece plausível, explodem traços de reacionarismo e obscurantismo.

Tudo se fazia mediante denuncias. Pero de Campo Tourinho, donatário de Porto Seguro, foi apontado como herético em 1543 por João Barbosa Pais. Foi o primeiro homem público a ser perseguido por motivos religiosos.

Depois muitos outros tiveram a mesma desventura. Alguns chegaram a sofrer as chamas dos autos de fé, como Antonio José, o teatrólogo. Uma tragédia. Quando se vê o panorama contemporâneo, deve-se recolher o passado de nossa trajetória. Captar-se-á então que todas as perseguições em matéria religiosa encontram raízes profundas na nossa História.

Aqui e ali ressurgem com vigor e levam os que pensam com liberdade a sentir um profundo calafrio em suas consciências.

Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

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