DROGAS E FÉ

Pr. Julio Soder


Estava quase cochilando, depois do almoço de domingo, quando Ernanio ligou despertando-me imediatamente: -"Pastor, o Ledir tomou veneno!"

Acho que era por volta do ano de 2002, na cidade de Cacoal, em Rondônia, região conhecida como "Amazônia Legal". Eu dirigia os programas terapêuticos da Fundação Vida Nova, uma entidade filantrópica que existia pela graça de Deus através do amor, trabalho e sustento de Credival e Raquel Carvalho, um casal de médicos, autênticos cristãos a serviço do Reino de Deus.

O centro de recuperação era na saida da cidade, já zona rural. As condições eram precárias, a estrutura deficiente e os recursos escassos. Apesar de já haver sido emitida uma regulamentação pela Anvisa, as comunidades terapêuticas ainda estavam em fase de adaptação e, além disso, os orgãos fiscalizadores, juízes, ministério público e até a prefeita, davam graças a Deus por existir gente como nós, que se importava, amava e sabia como fazer a recuperação, tirando das costas deles esse trabalho, feito voluntariamente e sem recursos públicos.

Ledir era viciadão; tinha 22 anos. Estivera internado conosco muitas vezes. Saia, depois de algumas semanas internação, sem concluir o programa, e retornava só de calção e alucinado, embora eu tenha dito a ele, em todas as vezes que ele saira, que nunca mais o receberia. "Conversa de pastor".

Nesta última vez que ele retornou as alucinações demoraram um pouco mais a passar. Ele havia balbuciado algumas vezes que alguém "estava tentando matá-lo" e "vou me matar". Nós, eu e os monitores, já tínhamos ouvido aquilo dele muitas vezes e não demos muita atenção.

Naquele domingo, após o almoço, Ledir passou por Ernanio, o monitor de plantão, e disse: "-Tomei veneno". Ernanio, conhecendo-o, não ia dar atenção mas sentiu o cheiro da química forte e confrontou-o imediatamente. Então saiu apressadamente em direção à casinha de ferramentas e encontrou um frasco vazio de Karatê, um piretróide, organoclorado, que não tem antídoto e imediatamente me ligou.

Apesar das condições precárias não havia desculpas para uma falha tão grande na segurança de pessoas que não eram responsáveis por seus atos na situação em que estavam. Ninguém da equipe terapêutica sabia da existência daquele produto e a porta da casa de ferramentas não tinha tranca.

-"Ponha o Ledir no carro e leve voando para o hospital. Te encontro lá!"

Ernanio teve o bom senso de levar o frasco vazio. Encontrei-o na portaria. Ele parecia assustado.

Entrei na sala de emergência e senti a tensão do ambiente. Havia quatro enfermeiras e o médico atendendo o Ledir; três delas tentavam segurá-lo enquanto uma fazia a lavagem estomacal. Ele era um rapaz forte apesar de usuário de drogas; foi difícil segurá-lo.

O Dr Paulo Elifas, médico de plantão, morador antigo da cidade e muito respeitado, chamou-de lado e disse: -"O senhor pode avisar a familia e preparar-se para o pior. Estou apenas fazendo o procedimento de praxe mas isso não vai adiantar muito devido ao tipo de substância, o volume e pelo tempo que ele ingeriu. Não há mais o que fazer".

Naquele momento senti um peso enorme na alma. Confesso que não pensei somente na vida do Ledir; pensei também na repercussão que ia dar se ele morresse; pensei no processo que daria sobre a entidade e sobre mim; eu era o responsável; pensei no nome dos cristãos e da igreja, pensei no centro de recuperação fechando...o que seriam daquelas vidas. Pensei em tanta coisa...mas eu era o responsável; tinha que fazer alguma coisa!

De súbito eu disse ao médico: -"Pois o senhor faça tudo o que tem fazer. Eu vou pra casa clamar ao meu Deus e ele mostrará que tem poder!". O Dr Paulo Elifas fez um muxôxo de indiferença; ele não cria em nada daquilo que eu disse e até eu tinha minhas dúvidas mas era o que eu sabia, podia e devia fazer.

No carro de volta pra casa eu delirava: -"O que eu fui dizer?".

Em casa clamei! Clamei e reclamei! Clamei pela minha vida,. pela do Ledir, pela obra, e até por uma provável fé futura da equipe do hospital pois eu havia dito em alto e bom som que Deus me atenderia. Esbravejei: -"...e agora eu já disse, eu já falei que O Senhor cura!". Entreguei... Eu fizera tudo que sabia e podia. Descansei. Agora era esperar.

Dois dias depois Ledir saiu andando e rindo do hospital. Tratei-o afetuosamente mas depois dei uma bronca nele pelo susto que nos deu.

O Dr Paulo Elifas hoje é convertido e diácono da Primeira Igreja Batista de Cacoal-RO.


A última notícia que tive do Ledir é a de que ele era obreiro numa casa de recuperação em Ji-paraná-RO.
Fonte: Genizah

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