Por dentro da organização não-governamental chinesa que mais cresce


Culto em igreja não-registrada na China

CHINA (10º) - Zhao Xiao, um ex-representante do Partido Comunista e convertido ao cristianismo, sorri por trás de uma xícara de chá e afirma acreditar que há cerca de 130 milhões de cristãos na China. Isso é muito maior do que as estimativas anteriores. O governo alega que há 21 milhões, sendo 16 milhões protestantes e cinco milhões católicos. Números não oficiais, como o fornecido pelo Centre for the Study of Global Christianity [Centro para o Estudo do Cristianismo Global], em Massachusetts, indicam 70 milhões. No entanto, Zhao não está sozinho em sua estimativa. No estudo sobre a China realizado pelo Pew Forum on Religion and Public Life [Pew Fórum sobre Religião e Vida Pública], um núcleo de pesquisas norte-americano – afirma que dados de pesquisas indiretas sugerem que muitos cristãos não-filiados estão fora dos números oficiais. E, de acordo com a ChinaAid Association [Associação de Ajuda à China – CAA], um grupo de defesa, com base no Estado do Texas, o diretor da entidade governamental que supervisiona todas as religiões na China confidenciou que esse número era, de fato, próximo a 130 milhões no início de 2008.

Sendo assim, isso significaria que a China possui mais cristãos do que comunistas (há 74 milhões de filiados ao Partido), e deve haver mais cristãos ativos na China do que em qualquer outro país. Em 1949, quando os comunistas tomaram o poder, menos de 1% da população tinha sido batizada, sendo, em sua maioria, católica. Agora, o maior número de cristãos, o que cresce mais rapidamente, pertence às igrejas não-registradas, protestantes.

Em um subúrbio de Xangai, distante da grande Avenida Haining, vizinhos observam cautelosamente os corredores, enquanto visitantes se agrupam em uma sala de estar, totalizando o número de 25 pessoas – o máximo permitido pela lei para uma reunião sem autorização oficial. Dentro, jovens profissionais urbanos sentam-se em sofás e cadeiras dobráveis. Uma jovem, vestindo uma camisa com a estampa do Che Guevara, abençoa o grupo e um homem projeta na parede materiais encontrados na internet. Cabeças se voltam para a projetação e cantam juntas: “Glória, Glória, Glória; Santo, Santo, Santo; Deus está perto de cada um de nós”. É uma manhã de domingo e está começando o culto em uma de milhares de igrejas não-registradas da China.

Igrejas não-registradas consistem de pequenas congregações que se encontram privativamente – geralmente em apartamentos – para cultuar longe dos olhares atentos do Partido Comunista. Na década de 1950, as igrejas católicas e as principais igrejas protestantes tornaram-se filiais da Administração de Assuntos Religiosos. Igrejas não-registradas têm uma situação incerta, por não serem totalmente banidas nem aprovadas. Enquanto elas evitarem confrontos com a vizinhança e se mantiverem abaixo de certo tamanho (geralmente em torno de 25 pessoas), as protestantes serão as mais toleradas, ainda que relutantemente. As católicas são mantidas sob exame minucioso, como reflexo da tensa relação da China com o Vaticano.

Encontros privativos nas casas dos fiéis caracterizam a Igreja cristã primitiva, que buscava escapar da perseguição do Império Romano. Paradoxalmente, a necessidade de manter as congregações em tamanhos pequenos ajudou a disseminar a fé. Isso acontece agora na China. O Partido, preocupado com a disseminação de uma ideologia rival, encontra-se diante de uma difícil escolha: ao manter pequenas as igrejas, assegura que nenhuma igreja seja grande o suficiente para ameaçar a autoridade local do Partido. Mas, o preço a pagar é que o número de igrejas está crescendo.

Aquela igreja em Xangai tem somente dois anos, mas já possui duas filhas: uma para funcionários de uma empresa multinacional, e outra para trabalhadores migrantes. Assim como disseminar a Palavra, a proliferação de igrejas possui uma medida de defesa contra intimidações. Um pastor, no ano passado, disse à revista Far Eastern Economic Review [Análise Econômica do Extremo Oriente] que, se o líder de alguma igreja não-registrada fosse temporariamente preso, “a congregação simplesmente se dividiria e poderia se transformar em cinco, seis ou até dez novas igrejas não-registradas”.

A abundante criação de igrejas é uma bênção e uma maldição para o movimento não-registrado. O sorridente Zhao afirma que dinheiro não é problema. “Não temos salários a pagar ou igrejas a construir”. Mas a “qualidade gerencial” é difícil de ser mantida. Igrejas podem adquirir Bíblias ou obter hinários na internet. Elas não podem, no entanto, encontrar pastores experientes com facilidade. “Na China, um cristão de dois anos de idade ensina os de um ano”, afirma-se.

Como a maioria das igrejas protestantes não-registradas não pertence a uma denominação (ou seja, não são afiliadas aos luteranos, metodistas etc.), as mesmas não possuem uma liturgia ou tradição fixas. Os cultos são como classes de estudos bíblicos. Isso implica em uma grande responsabilidade ao pastor. Uma pessoa da congregação de Xangai, e que visitou várias igrejas não-registradas, suspira aliviado, pois “esse pastor sabe do que está falando”.

Entretanto, esses primeiros problemas da igreja são pequenos se comparadas com o grande crescimento do número de cristãos. Depois do massacre na Praça da Paz Celestial em 1989, muitos democratas desiludidos voltaram-se para o cristianismo: seis dos cerca de 30 líderes estudantis do protesto tornaram-se cristãos. As novas igrejas chinesas não-registradas têm o entusiasmo dos convertidos: muitos membros evangelizam suas famílias e colegas de trabalho. Um chinês confucionista afirma, com um triste sorriso, que a maioria das meninas bonitas da universidade era cristã e namoraria apenas outros cristãos.

Mais santo e moderno do que tu

O cristianismo também acompanha a migração chinesa. Muitos cristãos estudaram nos Estados Unidos, converteram-se ali e trouxeram para casa sua nova fé. Muitos das congregações não-registradas de Xangai estudaram no exterior, como fez Zhao. Em 2000, afirma um escritor e convertido de Pequim, a maioria dos crentes se encontrava na zona rural. Depois do ano 2000, eles levaram sua fé para as cidades, disseminando o cristianismo entre os intelectuais.

Tudo isso resulta em algo que europeus, pelo menos, achariam surpreendente. Para a maior parte do ex-berço do cristianismo, a religião está associada com tradição e ritual. Na China, está associada com modernidade, negócios e ciências. “Somos a primeira geração de cristãos e de homens de negócios,” afirmou um pastor da igreja não-registrada. Em um artigo amplamente debatido em 2006, Zhao escreveu que “o mercado econômico desencoraja o ócio. [Mas] não desencoraja as pessoas a mentir ou fazer o mal. Uma fé fortalecida desestimula a desonestidade e a injustiça”. O cristianismo e a economia de mercado, em sua visão, andam de mãos dadas.

Até o momento, a disseminação do cristianismo tem sido vista amplamente como um assunto particular de indivíduos convertidos. A grande questão é se isso poderá manter-se particular. A extensão do crescimento e do número de seus aderentes indica que não. Mas, no momento, tanto cristão como comunistas parecem querer deixar que certa ambigüidade se prolongue por um pouco mais.

“Cristãos estão dispostos a ficar dentro do sistema”, afirma Zhao. “O cristianismo também é a base para ser bom cidadão na China.” A maioria dos cristãos diz que sua organização não é política, e que não estão procurando desafiar o Partido. Mas eles também afirmam que discordâncias com políticas públicas são inevitáveis: por exemplo, é dito que nenhum cristão, afirma, deve aceitar a política de um só filho.

Formalmente, o Partido Comunista proíbe seus membros de professarem uma fé religiosa, e as igrejas afirmam que elas sofrem assédio das autoridades. O presidente da aliança de igrejas não-registradas de Pequim, Zhang Mingxuan, foi expulso da capital antes dos Jogos Olímpicos e foi informado que ele não seria bem-vindo se retornasse. No início de junho, o governo de Henan prendeu meia dúzia de membros de igrejas não-registradas sob a acusação de envio ilegal de doações de caridade às vítimas do terremoto de Sichuan. A CAA alega que o assédio às igrejas não-registradas vem crescendo.

De fato, a atitude do Estado parece ambivalente. Em dezembro de 2007, o presidente Hu Jintao teve um encontro com líderes religiosos e lhes disse que “o conhecimento de pessoas religiosas tem que ser controlado para se construir uma sociedade próspera”. A verdade é que cristãos e comunistas estão se observando de modo cauteloso. Mas é difícil evitar a conclusão de que o cristianismo causará, um dia, um impacto político. “Se você quiser saber como a China estará no futuro, terá de considerar o futuro do cristianismo na China”, conclui Zhao.


Tradução: Cecília Padilha



Fonte: The Economist

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