'A festa da menina morta' revê raízes amazônicas

Estreia de Matheus Nachtergaele como diretor rendeu diversos prêmios.
Radical e intenso, longa-metragem estreia nesta quinta em cinco capitais.

Da Reuters

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Daniel Oliveira em cena do filme 'A festa da menina morta', de Matheus Nachtergaele (Foto: Divulgação)

Ator consagrado na TV e no cinema, Matheus Nachtergaele passa para trás das câmeras estreando na direção com "A festa da menina morta". Um filme que teve sua estreia mundial em maio de 2008, dentro da seleção da respeitada mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar) do Festival de Cannes, onde colheu as primeiras comparações com a pegada radical do Cinema Novo.

Se ali não recebeu prêmios, o contrário aconteceu nas demais passagens do filme em outros festivais internacionais, como Chicago, Havana e Los Angeles, e nacionais, como Gramado e Rio de Janeiro.

A coleção de troféus e elogios certamente pavimentou o caminho da estreia, que acontece na quinta (11) em cinco capitais - São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília. Mas não atenua o potencial de risco que está na própria essência desta obra radical, intensa, muitas vezes barroca, ambientada no coração da Amazônia, desdobrando uma história que mistura religião, incesto, exploração e sentimentos profundos.

Ator de filmes como "Amarelo manga" e "Baixio das bestas", ambos do polêmico diretor Cláudio Assis, Nachtergaele envereda pela mesma busca do diretor pernambucano de confrontar padrões. A vantagem é que o diretor estreante atinge uma dramaturgia bem mais ampla e madura no roteiro assinado por ele mesmo e por outro pernambucano, Hilton Lacerda, aliás, colaborador de Assis nos dois filmes citados.

O sagrado e o profano

A história de "A festa da menina morta" centra-se no poder do misticismo numa comunidade perdida nos confins da Amazônia - as filmagens foram em Barcelos, a 400 km de Manaus. Ali, praticamente toda a população vive em função da crença nas previsões anuais de Santinho (Daniel de Oliveira, premiado no Rio e em Gramado).

Espécie de beato com inúmeras características profanas - como o relacionamento dúbio com o próprio pai (Jackson Antunes) -, Santinho ganhou seu status ainda criança, quando recebeu de um cachorro os restos do vestidinho de uma criança desaparecida. Um episódio que foi interpretado como sinal de divindade e que garante ao rapaz o servilismo de mulheres como Tia (Ednelza Sahdo), Das Graças (Conceição Camarotti) e outras, que se ocupam de todo o trabalho, preparando sua comida, sua rotina e aguentando seus frequentes destemperos histéricos.

A figura da mãe (Cássia Kiss), dada como morta por suicídio, assombra a casa, ecoando detalhes biográficos da vida do próprio diretor, órfão de mãe ainda bebê - e que, em entrevistas a partir de Cannes, não nega ter colocado no filme o seu "luto". Mesmo que o espectador não conheça este detalhe, salta aos olhos a voltagem emocional das relações entre os personagens, como Santinho, seu pai e também Tadeu (Juliano Cazarré), irmão da menina morta, e um dos poucos a questionar o sentido desse ritual religioso, mantido há 20 anos.

As cores fortes da fotografia de Lula Carvalho e a câmera na mão associam o filme a Glauber Rocha e ao Cinema Novo, uma ligação que foi identificada por críticos internacionais à época da exibição do filme em Cannes e que foi assumida pelo diretor como uma de suas inspirações.

"A festa da menina morta" não aspira a ser um filme simples, muito menos digestivo. O diretor demonstra acreditar na validade do uso de seus excessos como parte indispensável de um projeto que visa retratar partes de um Brasil ainda arcaico, primitivo e feroz. E o faz com uma segurança que fundamenta a impressão de que aqui está nascendo um diretor sério e comprometido com o cinema. Nada mau para um marinheiro de primeira viagem.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

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