Protestantes protestam. Ou deveriam protestar
Por Gedeon Freire de Alencar
Protestantes protestam, ou pelo menos deveriam fazê-lo para honrar a nomenclatura. Numa democracia, o “demo/povo” expressa sua vontade, fala, opina, vota, enfim, protesta. Os membros e construtores de uma democracia são, por natureza e ofício, protestantes , ou seja, reivindicadores. É de protesto em protesto que se constrói uma democracia. Uma democracia não existe onde não se pode exprimir desejos e vontades, fazendo um protesto. Portanto, protestantismo e democracia é uma combinação perfeita. Ou, pelo menos, deveria ser.
Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero fixa na porta da Catedral de Wittenberg um texto com 95 teses contra a figura do papa e a venda das indulgências católicas. Era um protesto puramente teológico, mas teve conseqüências econômicas, sociais e políticas. O termo protestante nasce em 1521, na Dieta de Worms, quando o rei Carlos V reafirma sua fidelidade estatal ao Vaticano por necessidade política. A turma de Lutero, mais por necessidade econômica do que teológica, não gostou e protestou. Nasceram assim os “protestantes”. Um grupo de gente em estado de protesto contra o poder religioso, contra o poder do Estado, contra o status, a opressão, o latifúndio. Aliás, os camponeses anabatistas, defensores de uma democracia radical, acreditaram tanto nesta teoria luterana que quiseram pô-la em prática nos latifúndios, mas havia alguns príncipes alemães no meio do caminho sendo abençoados por Lutero.
Uma das marcas da Reforma Protestante é a teoria do “sacerdócio universal”. Esta propalada teologia dizia que cada um, independentemente de classe social, clerical, política ou econômica, pode e deve ter acesso direto a Deus. Ora, se o acesso é dado a Deus, por que não também ter acesso ao voto, à decisão, ao protesto, à democracia? Não foi coincidência, portanto, que este modelo religioso fosse o melhor companheiro para a implantação da democracia moderna: valorização individual, leitura bíblica sem tutela, autonomia dos Estados nacionais, liberdade de consciência, exercício do voto e da fala. Quinhentos anos depois...
Sobre o quê, ou contra o quê os protestantes protestam atualmente? O mesmo grupo que pegou em armas a favor do estabelecimento do Estado nacional e contra as investidas do imperialismo estrangeiro, sendo vanguarda na luta pelo fim do latifúndio e incorporando absolutamente a luta pela democracia em diferentes épocas e lugares, hoje se notabiliza por qual luta e frente? Ao menos no Brasil, o protestantismo, com raras exceções, está bem acomodado. Parece tranqüilo e feliz, desfrutando dos benefícios do presente e das glórias do passado. Não protesta sobre nada e contra nada. Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário.
Gedeon Freire de Alencar é mestre em Ciências da Religião (UMESP) e diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos em São Paulo.
Fonte: Vida Nova
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