"NÃO CHORES..."

Lucas 7.11-17

Naim é não mais que uma vila perto de Cafarnaum, na Galiléia, região norte de Israel. Hoje é uma vila habitada por palestinos. O episódio narrado por Lucas mostra que não há uma só pessoa que não tenha experimentado o sofrimento. Todos já experimentamos um episódio de dor, de transe, de sofrimento. Alguns podem ter sofrido mais, quem sabe, por sua própria sensibilidade; talvez, por causa da sua consciência ou da sua reação à violência. Mas, de qualquer modo, a dor continua a ser um enorme mistério, um grande mistério, um terrível mistério para todos nós. A dor é algo tão importante que, para a dor física, há uma ciência que dela cuida, para que a pessoa não sinta qualquer desconforto. Ninguém pensaria em fazer uma cirurgia se não tiver um anestesista ao lado.

Porém, e em relação à dor moral? E aos tormentos da dor espiritual? E quanto à infelicidade da dor psicológica e emocional, existe algum tipo de anestesia? Quem sofre se sente vítima de uma emboscada incompreensível, de uma terrível agressão. Participamos há poucos dias de uma cerimônia fúnebre. O filho de um casal (casal que participou, aliás, de um Encontro de Casais com Cristo patrocinado por nossa igreja) foi passar com toda a família as festas de São João no interior. Como a casa estivesse muito cheia com os parentes, foi ele com o futuro cunhado para uma casa vazia dentro da mesma propriedade. Lá encontraram uma espingarda de chumbo. O futuro cunhado resolveu mexer na espingarda, e com isso, acionou o gatilho, a arma detonou, e o rapaz que morreu na hora. No sepultamento, estavam presentes amigos da Polícia Civil (era policial), da Polícia Militar, colegas da Faculdade de Direito onde estudava, muitas autoridades, para um momento de morte sem explicação.

Quem passa por essa dor experimenta uma agressão, um verdadeiro assalto emocional como tantos de nós temos passado por isso, e nos sentido sós, miseravelmente sós, quantas vezes...

A tragédia, portanto, é um fato; o sofrimento encontra-se no nosso meio, faz parte de nosso contexto, está à nossa porta, quando não dentro de nossa própria casa. E a Bíblia o descreve como no Salmo 6 que diz assim: "Estou cansado de gemer. Todas as noites choro na minha cama e encho de lágrimas a minha almofada" (v. 7). Ou, ainda, no Salmo 12: "Salva-nos, Senhor, pois são cada vez menos os homens bons e há poucos que sejam sinceros. Mentem uns aos outros; falam com hipocrisia e falsas intenções" (vv. 1,2). E no Salmo 18: "A morte cercou-me com os seus laços e as vagas destruidoras encheram-me de medo; o poder da morte envolveu-me com os seus laços e preparou-me armadilhas fatais" (vv. 5,6).

Isso quer significar que a dor está na experiência dos servos de Deus, está nas páginas dos Evangelhos, mas não é própria do evangelho de Jesus Cristo, Que veio para que pudéssemos ter vida e vida em abundância. Não é o que diz a Palavra de Deus? Esse é o propósito do evangelho, que não é a consagração da dor e nem somos anestesiados como alguém nos acusou (porque na hora do sepultamento de um irmão nosso, estávamos cantando e alguém fora do velório disse, e eu ouvi, "esse povo aí é anestesiado: não sabe chorar").

Na verdade, nós sabemos chorar, mas sabemos, também, o que é o consolo, porque a Bíblia diz: "bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados" (Mt 5.4). Sabemos transformar a dor em culto, sabemos transformar a saudade em ação de graças. Por isso, Jesus veio para nos dar consolo, conforto, abundância de vida, qualidade de vida.

É verdade: falamos nas dores do Calvário, na paixão de Cristo, falamos no sangue derramado de Jesus Cristo, falamos na paixão de Jó, mas falamos também no Cristo que assumiu a dor por nós e nos ensinou que, ao lado do sofrimento sem sentido, da dor inútil, da dor cansada pela culpa, seja individual ou coletiva, pela injustiça, existe um tipo que faz crescer, que faz humanizar, que nos torna adultos em Cristo.

UMA DOR RESOLVIDA

Temos no texto básico a história de uma dor resolvida. Vamos a ela mais uma vez: o texto de Lucas 7 nos joga sem qualquer aviso, no meio de uma batalha. Estamos no meio de uma guerra que grassa desde o começo dos tempos: a guerra da morte contra a vida, porque Deus nos criou para a vida e não para a morte. E essa batalha vem acontecendo desde os primeiros dias porque está dito que "(tu) és pó, e ao pó voltarás" (Gn 3.19b). Nós não nos conformamos com a morte porque não fomos criados para ela. E, sim, para a vida, essa vida que Cristo trouxe de volta pelo evangelho.

É Jesus, então, o Senhor da Vida, de um lado, e um rapaz, vítima da morte do outro lado. Porém, não são combatentes solitários. Temos um exército, e do outro lado, outro exército. Temos Jesus Cristo, e diz a Escritura que "com ele iam muitos dos seus discípulos e uma grande multidão" formando o seu exército. E, do outro lado, "uma grande multidão da cidade" indo atrás daquele esquife. Uma multidão está entrando na cidade. Uma multidão está entrando na vila de Naim; outra está saindo com o corpo do jovem.

Isso ocorreu porque os cemitérios ficavam fora da cidade. O que nós temos hoje é porque a cidade engoliu os cemitérios, mas imaginem como era a cidade do Salvador há duzentos, há trezentos anos. A cidade era só a área do Pelourinho, a região do Terreiro de Jesus, das Portas Além do Carmo, do Santo Antônio . O cemitério era tão longe que ficava na periferia. Um lugar que mais adiante foi chamado de... bairro da Federação. Hoje plenamente dentro da cidade, a menos de uma légua do centro da cidade do Salvador. O chamado "Campo Santo" (nome pelo qual é conhecido o muito antigo cemitério) era considerado tão distante... Havia outro que era destinado aos hansenianos, ficava numa região mais baixa onde estava estabelecida uma colônia de hansenianos, a Quinta dos Lázaros, uma granja, uma roça cuidada pelos enfermos pela hanseníase de então. É o atual Cemitério das Quintas.

Então, como nas cidades antigas, em Israel os cemitérios estavam fora da cidade, porque senão, as cidades e vilas ficariam poluídas, impuras.

Lá vai uma multidão, e vem a outra. O exército da vida tinha Jesus Cristo à frente; o exército da morte tinha uma mãe chorando e o corpo de um jovem num esquife aberto como ainda hoje acontece entre os palestinos. E esta grande multidão é formada não só pelo povo que O acompanhava sempre, mas, igualmente, pelas pessoas que se iam agregando, uma multidão crescente.

Quando entram na cidade, Jesus vê o corpo do moço no esquife: o esquife aberto, a mãe chorando, e não havia marido ao lado para consolá-la. Ela não tinha esposo, e agora não tem filho, pois o único que tinha, seu único arrimo estava no caixão. Ela está só, completamente só no mundo, sem protetor, sem arrimo, só tristeza, lágrimas e abandono. Sua situação, sem dúvida, era compartilhada, compreendida, porque havia amigos que a acompanhavam.

O interessante é que ninguém pediu a Jesus que fizesse o que Ele fez. Jesus age por iniciativa própria. E Lucas, o único que narra esta história, salienta a compaixão, a piedade e o poder de Jesus Cristo, que disse à senhora: "Não chores...", e toca no esquife. Havia uma lei no Código Mosaico que quem tocasse num caixão de defuntos ficaria impuro e não poderia ir ao tabernáculo, ao templo ou à sinagoga, só depois de uma semana quando ficasse purificado. Mas Jesus não se importou em ficar poluído porque onde a necessidade humana era imperativa, Jesus não ia se preocupar com detalhes rituais, de liturgia. E fala ao moço que se levanta, acontecendo o milagre. Cumpre-se, com esse fato, um sinal messiânico, porque para Jesus era mais importante um "Não chores!" que dez "não toques em um morto".

POR QUE SE CHORA?

Não sei porque você chora. Mas o sofrimento pode vir de muitas maneiras, de muitas formas e de muitas fontes. Talvez o sofrimento de alguém seja por causa da ingratidão. Alguém foi ingrato com você. Diz a Bíblia, e tantas vezes diz: "Em tudo sede agradecidos" (1Ts 5.18a; Ef 5.20). Não podemos ser ingratos; mas, alguém pode ter feito mal para conosco, e sua ingratidão nos causa tremendo sofrimento.

Talvez o seu sofrimento seja a separação. Lembro de uma senhora que conheci em certo país da Ásia. Estávamos participando de um treinamento de liderança numa determinada instituição, e éramos os dois únicos participantes aguardando o retorno para casa. Os indianos, os coreanos, os tailandeses, palestinos, mexicanos, filipinos, colombianos, paquistaneses, e cinco brasileiros. Todos tinham ido embora, inclusive três dos brasileiros.

O outro colega brasileiro e eu passamos pelo corredor e olhamos pela janela do gabinete da administradora da escola, uma senhora chinesa, que estava chorando. Batemos à porta, ela pediu que entrássemos, e contou que o marido, que era representante comercial, tinha como função viajar pelos países vizinhos: Malásia, Tailândia, Filipinas. Era, porém, muito mulherengo, e a havia deixado. "Eu sempre o perdoei", disse; "mas agora me deixou por uma tailandesa. Estou querendo me matar". Pensamos: "não é por aí, não". E Deus nos deu capacidade de ministrar àquela chinesa. Ministramos com a Escritura Sagrada, com a oração, e finalmente ela se acalmou.

Tranqüila, e muito agradecida, resolveu que no dia seguinte nos brindaria com um almoço. E convidou uma amiga que havia sido criada numa missão presbiteriana. Estávamos as duas senhoras e os dois pastores. Foi servido um frango cozido no vapor sem qualquer tempero. Havia potinhos com diferentes molhos (mostarda, agridoce, curry, soja, e outros mais) nos quais a pessoa coloca seu pedaço de frango e o tempera a gosto. Colocou na minha frente uma enorme terrina de arroz. Eu me servi do arroz, e quando o colega foi se servir, ela exclamou: "Não! Pare! Essa tigela é do Pr. Walter! A sua é esta". E colocou outra do mesmo tamanho. Olhamos um para o outro, e eu disse, "Irmã, essa terrina é a de minha família para a semana inteira..." Ela, horrorizada, exclamou: "O quêêêêêêê... esse é o arroz que um homem come numa só refeição!..." Pronto! Duvidou da minha masculinidade". É; era só do que eu precisava... Traída, o homem foi-lhe desleal, infiel, e ela tinha essa dor da qual vinha sofrendo há tanto tempo, e, por conta disso, queria se matar.

Por que você chora? A doença. Às vezes é a enfermidade crônica, e Deus ensina a viver com ela. Ensina e dá forças. Lembra do que Ele disse ao apóstolo Paulo? "Três vezes orei ao Senhor para que o afastasse de mim [o espinho na carne, uma enfermidade]. Mas ele me disse: A minha graça te basta..." (2Co 12.8,9). "Basta a minha força!", diz o Senhor.

Quem sabe você ainda não conseguiu superar o problema da morte de uma pessoa muito querida. É difícil, muito difícil, sem dúvida. No entanto, há uma disciplina naquilo que é chamado de "escuridão da noite", como um comentarista da Palavra de Deus chamou. Diz que quando chega a escuridão da noite, aprendemos a ser disciplinados. Nos momentos críticos da vida, aprendemos uma disciplina da parte de Deus. E essa escuridão da noite é qualquer período prolongado e doloroso, quando a saúde se vai, os amigos se esquecem de nós, e até parece que Deus está ausente. Jó na sua paixão, aquele terrível drama de sentimentos pelo qual passou, ele chegou ao ponto de dizer: "Por que não morri ao nascer? Por que não expirei ao sair do ventre?... Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma, aos que anelam pela morte, mas ela não vem, cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos?" (3.11, 20,21). Era como Jó expressava a sua dor. Há até quem venha ao nosso ouvido, e insinue que Deus de nós Se esqueceu, ou, então, que Ele nem existe.

No entanto, a hora difícil, a tragédia, nos pode trazer confiança e estabilidade. Como fala Isaías, no capítulo 50, "Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus" (v. 10). É, em outros termos, a serenidade trazida por Jesus Cristo: "Não chores..."

Chora-se, então, quando há desolação, desespero, perda, abandono; quando se perde quem se ama, benefícios ou objetos de estimação; quando se perde por morte ou pela distância. É difícil não ter uma sensação de perda quando na ausência de quem se ama, quando se perde o emprego, os sonhos e os objetivos. Jó, por exemplo, perdeu tudo. E o que tinha ele? Posses materiais, saúde, prestígio, grande e linda família. Tudo isso ele perdeu como diz o capítulo 1 do livro que tem seu nome.

E a desolação é uma muito escura de nossa vida. O Salmo 39.2 fala "Quando fiquei em silêncio, como mudo, sem dizer uma palavra, nem mesmo acerca do bem, a minha dor se agravou". Em desolação estava o poeta. O Salmo 102 foi composto quando havia muita dor na vida do poeta. Mas a Palavra de Deus nos garante uma coisa extraordinária: a vitória no meio da desolação, como está em Isaías 61.1-3.

O desespero é uma hora muito escura. Quer dizer, realmente, "desesperança", falta de esperança, e há na vida cristã momentos quando temos desencorajamento, dificuldades, perigos intensos e cruciantes, desespero cruciante e intenso quando parece que a vida e a morte estão a 50%. É numa hora como essa, que vamos encontrar a Palavra Santa dizendo de modo tão claro: "Cantai ao Senhor, vós que sois seus santos; louvai o seu santo nome. Pois a sua ira dura só um momento, mas no seu favor está a vida; o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã" (Sl 30.4,5). Abraão estava no monte Moriá; José, numa prisão no Egito; Moisés, no deserto; Davi, perseguido; a paixão de Jó, e tantos, e tantos outros que não se deixaram derrotar porque ouviram "Não chores..."

Porém a morte não é o nosso mais profundo problema. É o medo de morrer. Esse é o nosso problema, porque quando a morte é encarada com freqüência, ela perde o seu poder devastador. E por esse motivo um teólogo dos nossos dias tem insistido que a morte deve ser um ato a ser desempenhado, e não uma experiência a ser suportada. Isso quer dizer que quando Jesus exclamou, "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23.46), não foi derrota nem clamor de derrota, mas afirmação da vida, visto que o problema em relação a isso é nos limitarmos sem necessidade.

E o modo de alguém se limitar é pensar na morte apenas em termos biológicos, em termos daqui e de agora. Quando nela pensamos em termos espirituais, tudo fica diferente: é pensar em ressurreição e não em trevas. Um pregador chamado William Manson declarou "O único Deus que o Novo Testamento reconhece é o Deus da ressurreição!!!" Glória a Deus!

Por isso, "Não chores...", diz a Palavra Santa. E aí, temos o toque do Criador, porque ninguém escapa da dor, do sofrimento. Mas quando a dor chegar, ela pode tornar uma pessoa mais refinada ou pode escurecer a mente e o espírito.

Jesus não pensa da morte o que nós pensamos. No Seu pensamento, o que chamamos de morte não afeta a continuidade da vida individual. Jesus Cristo veio curar os corações cheios de dor, consolar os aflitos.

Sim, são muitas as lágrimas no mundo, mas o discípulo de Jesus Cristo diz um corajoso "Não!" ao sofrimento e abre seu coração diante de Deus Que o consolará.

A verdade é que temos um Consolador, e a Bíblia garante que "O Espírito do Senhor está sobre mim que me ungiu... para consolar todos os tristes" (Is 61.1,2). 2Coríntios 7.6 diz que "Deus consola os abatidos". Cristo derrama óleo nas nossas feridas, unge com Sua paz a consciência magoada. Por isso, meu amado, você precisa crer que Jesus Cristo poderá fazer você entrar num mundo de provas como nunca conheceu na vida, mas quando os traços do caráter de Jesus se formarem na sua vida.



Walter Santos Baptista, Pastor da Igreja Batista Sião em Salvador, BA (O autor é Terapeuta de Família e de Casal)
E-Mail: wsbaptista@terra.com.br
Fonte: UOL

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